Os peixes brasileiros estão em boas mãos
por Daniela Pinheiro
Engana-se quem pensa que o ministro Luiz Sérgio de Oliveira, do PT do Rio, ficou melindrado quando precisou trocar as costuras políticas da Secretaria de Relações Institucionais do Planalto pelo universo dos pescados. Há três meses, desde que assumiu o Ministério da Pesca e Aquicultura, ele se sente como um peixe no aquário.
Rodeado por chaveiros em forma de anzol, minitarrafas e uma escultura de Nossa Senhora da Conceição feita com a espinha de uma cavala, o ministro contou no seu gabinete que o assunto sempre lhe disse respeito: “Sou de Angra e pesco desde a infância. Quando fui prefeito de lá, criei a Secretaria da Pesca. E pode ligar para o meu filho e perguntar qual a coisa que eu gosto mais de comer.”
Quando da queda do ministro Antonio Palocci, da Casa Civil – por ter multiplicado o patrimônio em tempo recorde –, o cargo de ministro das Relações Institucionais, ocupado por Luiz Sérgio, virou alvo de cobiça petista. Dilma Rousseff preferiu fazer um roque de xadrez: trocou Luiz Sérgio – a quem chama de Menino do Rio e dá bronca quando ele apara o topete sem avisá-la – pela ministra Ideli Salvatti. Ela foi para a articulação política. Ele passou a tratar de robalos e baiacus.
Ao receber a intimação presidencial, Luiz Sérgio contou que disse a ela o seguinte: “Tudo bem, desde que eu possa preparar um peixe para a senhora.” Acertaram um peixe com banana, a marcar. “Ela tem a agenda impossível, mas um dia esse almoço sai.”
Dilma lhe chamou a atenção uma única vez, quando ele agendou reunião para discutir o salário mínimo com a oposição. “Ela me disse: ‘Que história é essa? Isso lá vai mudar voto?’”, disse. “Respondi que achava que nenhum, mas que eles nunca vão poder usar o argumento de que nós não fomos lá conversar.”
Em sua breve passagem pelo Planalto, Luiz Sérgio teve dificuldade com os partidos e a gulosa base aliada. Foi apelidado de garçom: só anotava os pedidos. “É uma coisa só para criticar mesmo, um ataque gratuito”, comentou.
Em retrospectiva, a rotina no Palácio do Planalto lhe parece previsível, bem menos instigante do que a da Pesca. “É sempre a mesma história: quantos votos vão ter, tira uma assinatura de CPI, bota uma assinatura de CPI, retira emenda, libera emenda, discute cargo, fala de nomeação”, contou.
Com um quadro funcional de quase 600 contratados e orçamento de 204 milhões de reais ao ano, a pasta da Pesca é discreta como um cardume de tainhas. Há pouco, 1 450 barcos de pesca passaram a ser monitorados na costa brasileira, o que o próprio ministro admite ser um número pouquíssimo expressivo.
Enquanto rabiscava num bloco de papel, mencionou que o Brasil produz apenas 1,2 milhão de toneladas de peixe por ano, enquanto a China chega a 60 milhões de toneladas. Disse que se o país usar apenas 1% de seus 216 reservatórios, açudes e lagos, terá condições de atingir o padrão chinês. Mas são anos de descaso, ilegalidade para tudo que é lado, legislação intrincada e uma burocracia formidável.
Acrescente-se certa má vontade nacional contra o que vem do mar. “As crianças não comem peixe porque os pais têm medo de que engasguem com a espinha”, disse Luiz Sérgio. “E também sempre teve aquilo de ‘quem vai limpar o peixe?’.”
Recentemente, ele se reuniu com o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, para conversar sobre a Engraulis anchoita – um peixinho barato, saudável, parente da sardinha e, ao que parece, dócil, que está sendo testado nas merendas das escolas gaúchas. (A redação de piauífoi presenteada pelo ministro com uma lata de anchoítas em molho de tomate.)
Também está empenhado em legalizar a produção em cativeiro do pirarucu, o qual chamou de bacalhau da Amazônia, que ganha 12 quilos em apenas um ano e tem 75% de seu corpo aproveitado. Isso é bem o contrário da tilápia, da qual se usa menos de 30%. “E a costela de tambaqui, que ganhou medalha de ouro na maior feira de pescados no mundo, na Bélgica, e que pouca gente come aqui por ser caríssima?”, indagou-se, perplexo.
Desafiado a comprovar se tinha mesmo intimidade com molinete, puçá, iscas e coisas do jaez, Luiz Sérgio abriu uma grande foto em seu computador que o mostrava de sunga junto ao ex-presidente Lula e ao governador de Sergipe, Marcelo Déda, todos puxando uma rede cheia de peixes, na Ilha Grande. Foi uma exceção. O ministro prefere pescar na linha, ou com o zangarelho, quando vai atrás de lulas (os moluscos cefalópodes; não confundir). Na última vez, na Semana Santa, trouxe na bagagem mais de 250 delas. Foram levadas ao Ministério, onde a secretária-executiva encantou os colegas com anéis de lula fritos, lula recheada e ensopado de lula.
Seu conhecimento sobre a população marinha – “De água salgada”, frisou – é assombroso. Em uma solenidade em Santa Catarina, surpreendeu os presentes ao reconhecer dez das quinze espécies mostradas em um vídeo. Mas é sua capacidade de desmascarar peixeiros e donos de restaurantes, especialistas em engambelar clientes, que faz cair o queixo. De posse de uma tabela da empresa Leardini, uma das maiores produtoras nacionais de pescado, com desenhos de mais de quarenta espécies, ele apontou para o peixe mais feio. “Esse é o peixe-sapo, que aqui chamam de tamboril. A carne da bochecha dele vira lagosta em muito restaurante”, disse. “É uma carne mole, que absorve bem o sabor e se assemelha à carne de crustáceos.”
Há pouco tempo, numa feira livre, em Ipanema, foi para cima de um peixeiro com a garra de um tubarão: “Isso aqui não é cherne de jeito nenhum. Sou de Angra dos Reis, não me diga que não conheço peixe”, desafiou. O sujeito enrolou, mas, ao fim, admitiu se tratar de “namorado-batata”. Saia justa semelhante ocorreu no mercado de peixes de Niterói. O cherne, ali, ele descobriu, não passava de piraúna barata.
Sobre a casquinha de siri, o ministro faz um alerta impressionante: “Outro dia, estava com amigos no restaurante e sugeriram casquinha para todo mundo. Eu falei: ‘Não estou a fim de comer arraia ralada.’” Segundo ele, o único lugar que ele garante servir 100% siri é na barraca da Diva, em Angra.
Luiz Sérgio se incomoda com o desdém à tilápia, que já foi chamada de praga. “Diz-se que é o peixe com que Jesus fez o milagre da multiplicação”, contou. “As primeiras espécies que chegaram ao Brasil vieram de Israel, é o peixe mais criado em cativeiro no mundo inteiro, tem um filé excelente.” Também não se conforma com o pouco caso com o peixe-espada, que, frito só no azeite e temperado com limão, parece-lhe uma iguaria nababesca.
Por um bom tempo, o ministro detalhou como preparar sardinha na panela de pressão, o peixe com banana verde do tipo são-tomé e ainda discorreu sobre o passo a passo de uma caldeirada amoquecada. Ao explicar como fazer um corante natural de urucum com fubá de milho, azeite e a semente macerada, não se controlou e,salvo engano, parece que salivou. “Está na hora do almoço, né?”, perguntou.