Nesta terça-feira (20), foi celebrado o Dia Nacional do Zumbi e da Consciência Negra, que marca anualmente a morte do lider negro Zumbi dos Palmares. Apesar de a celebração ter sido oficializada pela presidente Dilma Rousseff em 2011, cada cidade pode decidir se decreta ou não feriado na data.
O Dia da Consciência Negra existe desde janeiro de 2003, pela lei nº 10.639, que também tornou obrigatório o ensino sobre história e cultura afro-brasileira. Em 2011, o que a presidente Dilma sancionou foi uma lei instituindo o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, afim de lembrar o assassinato de Zumbi, em 1695, que morreu por lutar contra a escravidão dos negros no Brasil.
Nesta quarta a Presidenta Dilma Roussef discursou sobre a importância desta data e destacou as políticas que estão sendo implementadas para auxiliar e resgatar populações de comunidades de descendentes de quilombolas. Dilma defendeu a combinação de políticas sociais com ações afirmativas, destacando a implantação de cotas nas universidades federais.
Confira o discurso da presidenta:
"Nós celebramos ontem o Dia Nacional da Consciência Negra, data escolhida para homenagear o grande herói brasileiro Zumbi do Palmares. O Zumbi dos Palmares entrou para a história, para a nossa história, como símbolo de resistência e da luta contra a escravidão. Luta protagonizada pelos quilombos. E para nós, é muito importante afirmar essa condição de Zumbi dos Palmares, porque a história do passado, muitas vezes, foi escrita escondendo a luta das populações negras contra a escravidão.
Afirmar, portanto, Zumbi dos Palmares, significa também um resgate da história das populações negras contra a sua opressão, submissão e escravidão. Cada um de vocês, quilombolas de hoje e descendentes desses guerreiros do passado, trava hoje, as batalhas do presente pelo reconhecimento e também pela igualdade de oportunidades. As comunidades quilombolas ficaram esquecidas, sem dúvida, por muito tempo no nosso país. Somente em 2004, no governo do presidente Lula, foi criada uma política específica para os quilombolas, assumindo como tarefa de Estado assegurar direitos à terra, ao trabalho, à educação, à saúde, a todos esses cidadãos, por tantas décadas excluídos.
Na verdade, a essa política, específica para os quilombolas, está associada uma política global do país, desde a época do presidente Lula - e agora, nós estamos, cada vez mais, ampliando e reforçando essa política - que é uma política de combate à desigualdade no nosso país. A desigualdade no nosso país, ela tem gênero. Ela é dominantemente feminina. A desigualdade no nosso país, ela tem raça, ela tem a face negra. A desigualdade no nosso país, ela também tem idade. É preferencialmente uma coisa que afeta duramente as crianças. Não, que também não afete os homens, que não afete, também, a população de origem europeia.
Fazer política social em nosso país significa atender a população que foi tradicionalmente afastada dos ganhos e das riquezas. Nós temos de combinar esta política ampla, social – como é o caso do Bolsa Família, do Brasil sem Miséria – com políticas voltadas para ações afirmativas de raça e gênero. As políticas quilombolas, elas fazem parte das ações afirmativas, mas se completam com a política social que nós desenvolvemos no nosso país.
Por isso, no caso, por exemplo, do Brasil Carinhoso, nós olhamos com muito cuidado, porque o Brasil Carinhoso é uma complementação do Bolsa Família. O que ele faz? Ele dá, esse programa dá R$ 70,00 para aquelas famílias que têm crianças, para todos os membros que têm crianças de 0 a 6 anos, porque criança não protesta, criança até 6 anos não protesta, criança tem de brincar. Quem tem de protestar e quem tem de segurar as condições das crianças são os adultos. Por isso, em cada família que tem de 0 a 6 anos, cada adulto tem de receber, no mínimo, R$ 70,00.
É esse fato... Esse fato é para a criança. E quem são essas crianças, e quem são essas famílias? A ministra Tereza disse aqui que 84% são integradas por negros, são famílias de origem negra. Então, o Brasil Carinhoso, ele pega qualquer família, mas nós olhamos e sabemos que ele pega crianças negras, de famílias negras, e sabemos que dominantemente, dominantemente, no Nordeste e no Norte do país. Por isso que esse programa é um programa que tem de estar ancorado numa questão maior e combinado com outras políticas como essa, é o caso do que nós estamos lançando aqui para os quilombolas.
Por que nós estamos fazendo uma política específica para os quilombolas? Porque, para combater a desigualdade no nosso país, a desigualdade que, como nós dissemos, tem gênero, raça e idade, nós precisamos de políticas específicas também. Os quilombolas, além disso, não são apenas uma parte da sociedade, eles fazem, eles representam um momento de luta da população negra, no nosso país, contra a escravidão. E também por isso têm uma importância simbólica, simbólica. Simbólica não no sentido que não tem raiz na realidade, simbólica porque tem raiz na realidade, porque diz respeito a uma terrível realidade que um país tem sempre de voltar a ela, que é a realidade terrível da escravidão. A realidade terrível da escravidão que distorceu vários valores de nosso país como, por exemplo, não valorizar o trabalho manual. Não valorizar o trabalho. Uma realidade terrível do nosso país, que foi transformar uma parte dele em uma parte sem direito, que contaminou todos os outros pobres.
Então, simbólico no sentido que aquela parte que nós temos de lembrar para poder acabar com todas as consequências dela. Um país que teve, há pouco mais de 100 anos, escravidão, não pode deixar de lembrá-la. Porque lembrá-la é condição para que nós a superemos em todas as dimensões e consequências.
Por isso, nós hoje estamos aqui falando sobre quilombolas. Com ações concretas, nós vamos construindo as condições para reverter a vulnerabilidade econômica, social, cultural, a forte exclusão, que marcam a história do nosso país, em especial, das comunidades quilombolas espalhadas por 24 estados brasileiros.
As medidas que os ministros anunciaram hoje, fazem parte dessas ações afirmativas. A regularização fundiária, nós sabemos, que é a base para essa mudança. A certeza que a terra lhes pertence, porque a terra também lhes dá identidade e, portanto, a certeza de que ela está garantida, é o primeiro passo para promover a cidadania.
Todas as comunidades, aqui, sabem - mas isso fica claro nas palavras da dona Zefa, dona Zefa da Guia. Né, dona Zefa do caminho. Né, dona Zefa? – mas, a regularização, eu vou dizer para vocês, ela não é suficiente. Nós não podemos permitir que nas comunidades quilombolas estejam as populações mais vulneráveis do nosso país. E por isso que, além da regularização, nós queremos que lá cheguem o crédito, a assistência técnica, a energia, a água, os canais de comercialização e o Luz para Todos, quando o Luz para Todos não chegou.
A ministra Tereza Campello falou para vocês que a gente quer identificar. A gente quer identificar as populações para fazer que as coisas cheguem a essas populações. Porque muitas vezes, mais terrível no governo, é saber que tem um programa e que o programa não chegou à população que precisa daquele programa. E aí, a questão da Declaração de Aptidão do Pronaf. O que é isso? Saber quem precisa é saber quem é que vai ter o papel para chegar no banco e ter direito ao crédito do Pronaf, que nós sabemos que é essencial para as populações melhorarem a sua renda. Saber quem é que tem direito e saber quem é quilombola permite que a Conab compre os produtos que eles produzirem e coloquem, por exemplo, na merenda das crianças, no desjejum das crianças nas escolas, que as crianças vão lá e possam usufruir dos produtos produzidos pelas comunidades quilombolas.
Por isso, nós queremos facilitar a assistência técnica. Nós queremos fazer com que as populações dessas comunidades rurais, quilombolas, saiam da subsistência e tenham acesso à renda. Por isso, assistência técnica, crédito e programa de aquisição de alimentos são importantes para essas comunidades avançarem e terem mais recursos.
Meus amigos e minhas amigas quilombolas,
Ao fortalecer essas iniciativas, e outras já existentes, criando novas ações, nós estamos resgatando essa história de luta das populações quilombola, nesses 512 anos de construção do Brasil como nação e como sociedade democrática. Estamos também reparando injustiças históricas. E nós, cada um de nós, da Presidente da República a todo cidadão brasileiro e brasileira, nós temos de saber a importância das nossas raízes nacionais. E nós não podemos nunca pensar o Brasil como nação sem pensar a contribuição dos afrodescendentes e as raízes que um continente, o Continente Africano, deitaram aqui no Brasil.
Eu vou contar um episódio para vocês, que eu estava relatando para a ministra Luiza. É o seguinte: eu fui recentemente em Cádiz, na Espanha, na reunião chamada Ibero-Americana. A reunião Ibero-Americana entre os países da América Latina e os países da Península Ibérica – Portugal e Espanha. Nós, brasileiros, numa reunião dessas, temos sempre de dizer que a nossa nação não se sente representada sem uma menção aos afrodescendentes e sem a participação também dos países africanos. Por quê? Porque nós temos de honrar as nossas origens. Honrar as nossas origens significa necessariamente num país que, quando o censo populacional chega, mais de 50% das pessoas se dizem negras, é algo muito importante. Porque a gente pode pensar o seguinte: mais de 50% se disse negra – 50,5, é isso? Sete? 50,7 –, agora, de origem negra mesmo é mais gente, que não disse, que falou que era pardo que falou que era mais ou menos assim ou assado. Na verdade, nós temos uma população dominantemente negra em nosso país, ou dominantemente, entre todas as nossas misturas, uma grande presença da nossa origem africana.
Por isso, é importante que nós tenhamos cada vez mais a afirmação disso, não só como uma reivindicação, mas também como uma manifestação de orgulho, porque se nós não tivéssemos essa mistura, nós não seríamos o povo interessante e alegre que nós somos.
Finalmente, eu quero dizer para vocês que vocês tiveram e devem se orgulhar de um passado de luta, que é o nosso passado de luta. Então, se nós temos esse passado de luta, nosso presente também exige batalhas cotidianas. Obviamente, nós nunca devemos estar satisfeitos, nós devemos querer mais.
Eu acredito que uma das grandes conquistas feitas pela sociedade brasileira, em termos de uma real complementação das políticas afirmativas, é a política de cotas da universidade pública. Do ponto de vista da construção desse país mais igual e menos discriminatório, para quilombolas ou para a população negra em geral, esta é uma das grandes conquistas de nosso país.
Por isso, eu quero dizer que com tudo isso nós estamos dando passos para fortalecer um Brasil onde nossas crianças possam crescer com valores sólidos de respeito à diversidade, de orgulho da sua história e da sua cor, e onde as oportunidades sejam iguais para todos, ou seja, as oportunidades não podem olhar o gênero, a raça, a origem da família, nem tampouco o sobrenome.
Eu queria dar a todos vocês um muito obrigada e um forte abraço."