A Aliançade Batistas do Brasil vem, por meio deste documento, reafirmar o compromisso histórico dos batistas, em todo o mundo, com a liberdade de consciência em matéria de religião, política e cidadania. A paixão pela liberdade faz com que,como batistas, sejamos um povo marcado pela pluralidade teológica,eclesiológica e ideológica, sem prejuízo de nossa identidade. Dessa forma, ninguém pode se sentir autorizado a falar como “a voz batista”, a menos queisso lhe seja facultado pelos meios burocráticos e democráticos de nossa engrenagem denominacional.
Em nome da liberdade e da pluralidade batistas, portanto, a Aliança de Batistas doBrasil torna pública sua repulsa a toda estratégia político-religiosa de“demonização do Partido dos Trabalhadores do Brasil” (doravante PT). Nesse sentido, a intenção do presente documento é deixar claro à sociedade brasileira duas coisas:
(1)mostrar que tais discursos de demonização do PT não representam o que se poderia conceber como o pensamento dos batistas brasileiros, mas somente um posicionamento muito pontual e situado;
(2)e tornar notório que, como batistas brasileiros, as ideias aqui defendidas são tão batistas quanto as que estão sendo relativizadas.
1. A Aliança de Batistas do Brasil é uma entidade ecumênicae dedicada, entre outras tarefas, ao diálogo constante com irmãos e irmãs de outras tradições cristãs e religiosas. Compreendemos que tal posicionamento não fere nossa identidade.
Do contrário, reafirma-a enquanto membro do Corpo de Cristo, misteriosamente Uno eDiverso. Assim, consideramos vergonhoso que pastores e igrejas batistas histórica e tradicionalmente anticatólicos, além de serem caracterizados por práticas proselitistas frente a irmãos e irmãs de outras tradições religiosasde nosso país, professem no presente momento a participação em coalizões religiosas de composição profundamente suspeita do ponto de vista moral, cujos fins dizem respeito ao destino político do Brasil.
Vigoraria aí o princípio apontado por Rubem Alves (1987, p. 27-28) de que “em temposdifíceis os inimigos fazem as pazes”? Com o exposto, desejamos fazer notória a separação entre os interesses ideológicos de tais coalizões e os valores radicados no Evangelho. Por não representarem a prática cotidiana de grande fração de pastores e igrejas batistas brasileiras, tais coalizões deixam claro sua intenção e seu fundo ideológico, porém, bem pouco evangélico. Logrado o êxito buscado, as igrejas e os pastores batistas comprometidos com as coalizões“antipetistas” dariam continuidade à prática ecumênica e ao diálogo fraterno com a Igreja Católica, assim como com as demais denominações evangélicas e tradições religiosas brasileiras? Ou logrado o êxito perseguido, tais igrejas e pastores retornariam à postura de gueto e proselitismo que lhes marcamhistórica e tradicionalmente?
2.Como entidade preocupada e atuante em face da injustiça social que campeia em nosso país desde seu “descobrimento”, a Aliança de Batistas do Brasil sente-sena obrigação de contradizer o discurso que atribui ao PT a emergente“legalização da iniquidade”. Consideramos muito estranho que discursos como esse tenham aparecido somente agora, 30 anos depois de posicionamentos silenciosos e marcados por uma profunda e vergonhosa omissão diante da opressãoe da violência a liberdades civis, sobretudo durante a ditadura militar(1964-1985). Estranhamos ainda que tais discursos se irmanem com grupos efiguras do universo político-evangélico maculadas pelo dinheiro na cueca em Brasília, além da fatídica oração ao “Senhor” (Mamon?).
Estranhamosainda que tais discursos não denunciem a fome, o acúmulo de riqueza e de terras no Brasil (cf. Isaías 5,8), a pedofilia no meio católico e entre pastores protestantes, como iniquidades há tempos institucionalizadas entre nós.
Estranhamos ainda que tais discursos somente agora notem a possibilidade da legalização da iniquidade nas instituições governamentais, e faça vistas grossas para afatídica política neoliberal de FHC, além da compra do congresso para aprovar a reeleição. Estranhamos que tais discursos não considerem nossos códigos penal e tributário como iniquidades institucionalizadas. Os exemplos de como ainiquidade está radicalmente institucionalizada entre nós são tantos que seriam extenuantes. Certamente para quem se domesticou a ver nas injustiças sociais de nosso Brasil um fato “natural”, ou mesmo como a “vontade de Deus”, nada do mencionado antes parece ser iníquo. Infelizmente!
3.Como entidade identificada com o rigor da crítica e da autocrítica, desejamos expressar nosso descontentamento com a manipulação de imagens e de informações retalhadas, organizadas como apelo emocional e ideológico que mais falseia a realidade do que a apreende ou a esclarece.Textos, vídeos, e outros recursos de comunicação de massa, devem ser criterios amente avaliados.
Os discursos difamatórios tais como os que se dirigem agora contra o PT quase sempre se caracterizam por exemplos isolados recortados da realidade.
Quase sempre, tais exemplos não são representativos da totalidade dos grupos e das ideologiasenvolvidas. Dito de forma simples: uma das armas prediletas da difamação é a manipulação, que se dá quase sempre pelo uso de falas e declarações retiradasdo contexto maior de onde foram emitidas. Em lugar de estratégias como essas,que consideramos como atentados à ética e à inteligência das pessoas,gostaríamos de instigar aos pastores, igrejas, demais grupos eclesiásticos e civis, o debate franco e aberto, marcado pelo respeito e pela honestidade,mesmo que resultem em divergências de pensamento entre os participantes.
4. A Aliança de Batistas de Brasil é uma entidade identificada com a promoção e a defesa da vida para toda a sociedade humana epara o planeta. Mas consideramos também que é um perigo quando o discurso de defesa da vida toma carona em rancores de ordem política e ideológica.
Consideramos,além disso, como uma conquista inegociável a laicidade de nosso estado. Por isso, desconfiamos de todo discurso e de todo projeto que visa (re)unir certas visões religiosas com as leis que regem nossa sociedade. A laicidade do estado,enquanto conquista histórica, deve permanecer como meio de evitar que certas influências religiosas usurpem o privilégio perante o estado, e promova assim asegregação de confissões religiosas diferentes. É mister recordar uma afirmaçãode um dos grandes referenciais teológicos entre os batistas brasileiros,atualmente esquecido: “Os batistas crêem na liberdade religiosa para sipróprios. Mas eles crêem também na igualdade de todos os homens. Para eles,isso não é um direito; é uma paixão. Embora não tenhamos nenhuma simpatia peloateísmo, agnosticismo ou materialismo, nós defendemos a liberdade do ateu, doagnóstico e do materialista em suas convicções religiosas ou não -religiosas”(E. E. Mullins, citado por W. Shurden).
Nossaposição está assentada na convicção de que o Evangelho, numa dada sociedade,não deve se garantir por meio das leis, mas por meio da influência da vida nova em Jesus Cristo. Nãoreza a maior parte das Histórias Eclesiásticas a convicção de que a derrota doCristianismo consistiu justamente em seu irmanamento com o Império Romano?Impor a influência de nossa fé por meio das leis do Estado não é afirmar afraqueza e a insuficiência do Evangelho como “poder de Deus para a salvação detodo o que crê”? No mais, em regimes democráticos como o Estado brasileiro,existem mecanismos de participação política e popular cuja finalidade é aconstrução de uma estrutura governamental cada vez mais participativa. Foi-se otempo em que nossa participação política estava confinada à representatividadedaqueles em quem votamos.
5. A Aliança de Batistas do Brasil se posiciona contra ademonização do PT, levando em consideração também que tal processo nega olegado histórico do Partido dos Trabalhadores na construção de um projetopolítico nascido nas bases populares e identificado com a inclusão e a justiçasocial. Os que afirmam o nascimento de um “império da iniquidade”, com umapossível vitória do PT nas atuais eleições, “esquecem” o fundamental papeldeste partido em projetos que trouxeram mais justiça para a nação brasileira,como, por exemplo: na reorganização dos movimentos trabalhistas, ainda no período da ditadura militar, visando torná-los independentes da tutela doEstado; na implantação e fortalecimento do movimento agrário-ecológico dos seringueiros do Acre pela instalação de reservas extrativistas na Amazônia,dirigido, na déca da de 1980, por Chico Mendes; nas ações em favor da democracia, lutando contra a ditadura militar e utilizando, em sua própria organização,métodos democráticos, rompendo com o velho “peleguismo” e com a burocracia sindical dos tempos varguistas; nas propostas e lutas em favor da Reforma Agrária ao lado de movimentos de trabalhadores rurais, sobretudo o MST; no apoio às lutas pelos direitos das crianças, adolescentes, jovens, mulheres,homossexuais, negros e indígenas; e na elaboração de estratégias,posteriormente transformadas em programas, de combate à fome e à miséria.
Atualmente,na reta final do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, vemos que muita coisa desse projeto político nascido nas bases populares foi aplicado. O governo Lula caminha para seu encerramento apresentando um histórico de significativas mudanças no Brasil: diminuição do índice de desemprego, ampliação dos investimentos e oportunidades para a agricultura familiar, aumento do salário mínimo,liquidação das dívidas com o FMI, fim do ciclo de privatização de empresas estatais, redução da pobreza e miséria, melhor distribuição de renda, maior acesso à alimentação e à educação, diminuição do trabalho escravo, redução da taxa de desmatamento etc.
É verdadeque ainda há muito a se avançar em várias áreas vitais do Brasil, mas não há como negar que o atual governo do PT na Presidência da República tem favorecido a garantia dos direitos humanos da população brasileira, o que, com certeza,não aconteceria num “império de iniquidade”.
Está ficando cada vez mais claro que os pregadores que anunciam dos seus púpitos o início de uma suposta amplitude do mal, numa continuidade do PT no ExecutivoFederal, são os que estão com saudade do Brasil ajoelhado diante do capital estrangeiro, produzindo e gerenciando miséria, matando trabalhadores rurais,favorecendo os latifundiários, tratando aposentados como vagabundos, humilhandoos desempregados e propondo o fim da história.
Enfim, a Aliança de Batistas do Brasil vem a público levantar o seu protesto contra o processo apelatório e discriminador que nos últimos dias tem associado o Partido dos Trabalhadores às forças da iniquidade. Lamentamos, sobretudo, a participação de líderes e igrejas cristãs nesses discursos e atitudes que lembram muito a preparação das fogueiras da inquisição.
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